Sandbox Regulatório soma-se a outras iniciativas dos reguladores e traz otimismo para fintechs no Brasil

Apesar de ano complicado, um grande movimento de atualizações regulatórias e de infraestrutura planejadas para 2020 está seguindo seu curso

* Artigo do autor Bruno Diniz, originalmente publicado no portal noomis neste link.

Ao longo dos últimos 7 anos no Brasil, presenciamos a evolução das regras do mercado financeiro visando ampliar a inclusão financeira, democratizar os mecanismos de acesso à capital, e aumentar a concorrência no setor – acomodando e viabilizando as atividades de novos atores. Normas foram então atualizadas e criadas, trazendo maior segurança jurídica e ampliando as condições de funcionamento das instituições de pagamento, plataformas de Equity Crowfunding e plataformas de crédito digital.

Neste movimento, foram realizados alguns processos de consulta pública que contaram com a participação ativa de diferentes partes interessadas, além de terem sido criados diversos grupos de trabalho e foros de discussão envolvendo a presença dos reguladores e algumas entidades governamentais. Dentre esses grupos de trabalho, foi lançado em dezembro de 2017 o GT Fintech do Laboratório de Inovação Financeira (LAB) – fórum de interação multissetorial criado pela Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

No período entre os anos 2018 e 2020 o GT Fintech se dedicou, dentre outros temas, a estudar, discutir e desenhar o que viria a ser a base do Sandbox Regulatório da CVM. Estive presente no grupo ao longo desses anos pela Associação Brasileira de Startups e pude testemunhar os avanços que ocorreram na formatação das regras deste importante ambiente regulatório experimental, as quais foram publicadas no dia 15/05/2020 através da Instrução CVM 626.

Em linhas gerais, o modelo de Sandbox permite que novas startups testem seus produtos, serviços e modelos de negócios inovadores no mercado real, com um número restrito de consumidores reais, em caráter experimental. Durante um determinado período (fase de testes), o regulador observa e monitora o desenvolvimento da fintech e seu impacto potencial no mercado. No final do período, essa fintech pode ser autorizada ou não a atuar no mercado de forma plena, e novos precedentes regulatórios são criados com base nessa experiência.

Havia muita expectativa dentre as fintechs para 2020, ano no qual era previsto que temas como Open Banking, Pagamentos Instantâneos e o próprio Sandbox Regulatório tivessem efetivo início, após um intenso período de discussões prévias. Com a chegada da pandemia e a consequente crise econômica global, foi questionado se tais passos ainda aconteceriam dentro do prazo esperado. Contudo, mesmo dentro desse cenário de stress, vemos o andamento das pautas ligadas à inovação do segmento financeiro acontecendo a contento, trazendo esperança aos inovadores do setor.

“A manutenção dessas agendas como prioridades dos reguladores nacionais reforça o compromisso com a modernização e mostra que o país está alinhado com o movimento de inovação regulatória que acontece nos principais hubs globais, seguindo firme em sua implementação, apesar das adversidades”

Sobre o Sandbox regulatório da CVM

O Sandbox regulatório da CVM é o segundo a ter suas regras de funcionamento estabelecidas no país. O primeiro foi o Sandbox da Susep, que teve seu edital publicado em 20/03/2020, e o próximo será o do Banco Central, provavelmente com publicação nos próximos meses.

Diferentemente do Reino Unido que possui apenas um Sandbox Regulatório (instituído pela Financial Conduct Authority – FCA, entidade reguladora local) para experimentação de novos projetos nos mais diferentes segmentos do mercado financeiro, aqui no Brasil teremos 3 ambientes diferentes, um para cada regulador do mercado (Susep, CVM e BACEN) tratando de projetos alinhados com o segmento por ele supervisionado. De acordo com os reguladores, futuramente serão criados mecanismos para contemplar projetos que estejam dentro da competência de mais de uma autoridade, o que levaria à interação com múltiplos sandboxes.

Voltando ao Sandbox da CVM, a versão final publicada teve algumas boas surpresas incorporadas em seu texto final que não estavam presentes na minuta colocada em consulta pública. Dentre elas, destaco as seguintes (com meus devidos comentários):

 – Substituição da dinâmica dos ciclos de sandbox por processos de admissão de participantes, para que não seja necessário encerrar completamente um ciclo antes que novos participantes possam ingressar no sandbox.

Comentário: Diferentemente do modelo Britânico, que opera com dois ciclos fechados de 6 meses cada dentro do ano, o modelo da CVM aparentemente será mais flexível e contínuo.

– Inclusão de fase de análise preliminar saneadora das propostas recebidas para identificar eventuais vícios formais, concedendo ao proponente a oportunidade de apresentar novas informações ou esclarecimentos.

Comentário: Boa prática que dará uma chance a mais para a fintech detalhar sua solução caso algum ponto não esteja claro após a submissão do projeto ao regulador.

– Previsão de participação de pessoas jurídicas estrangeiras passa a prescindir de estabelecimento de parceria com autoridades reguladoras competentes das jurisdições em que estiverem sediadas, e os candidatos estrangeiros serão avaliados segundo os mesmos critérios de elegibilidade, seleção e priorização válidos para proponentes brasileiros.

Comentário: Decisão que parece abrir um precedente para que sejam operacionalizados, de forma prática, acordos como o que a CVM mantem com uma rede chamada GFIN – Global Financial Innovation Network – projeto capitaneado pela FCA que conta com reguladores do mundo inteiro e possui o objetivo de criar um Sandbox Regulatório Global, cooperativo e interoperável.

– Recebimento e análise de propostas oriundas de processos de admissão de outros órgãos reguladores, ainda que o prazo definido pela CVM para inscrições já tenha se encerrado.

Comentário: Inclusão de uma possibilidade que parece endereçar os projetos que precisem de interação com mais de um regulador (múltiplos sandboxes).

– Possibilidade de apresentação de pedido fundamentado, durante o período de participação, de ampliação ou alteração das dispensas concedidas, ou de revisão das condições, limites e salvaguardas estabelecidos.

Comentário: Durante as discussões no LAB (e na consulta pública) questionamos via ABStartups como poderiam ser tratados casos de “pivotagem” de uma startup dentro do Sandbox, ou seja, casos nos quais o projeto é modificado a acaba por seguir um rumo diferente do inicialmente proposto. Entendo que esse trecho ajuda a resolver essa questão e dá maior flexibilidade à startup durante o processo.

– Criação de uma seção na página da CVM dedicada à divulgação periódica de informações a respeito do andamento do sandbox regulatório, tais como descrição dos modelos de negócio inovadores sendo testados, perguntas frequentes e estatísticas sobre propostas recebidas, aprovadas e recusadas.

Comentário: Iniciativa que dá transparência a todo processo e está em linha com boas práticas utilizadas pela FCA no Reino Unido, por exemplo.

Próximos passos

A Instrução CVM 626 entra em vigor dia 01/06/2020. Posteriormente, deverá haver a publicação de Portaria específica sobre esse tema. A expectativa é de que aconteça a abertura de edital para recebimento dos projetos no segundo semestre (pensando de forma mais conservadora, possivelmente mais próximo do fim do ano) e funcionamento efetivo do Sandbox acontecendo no começo de 2021.

Um novo cenário para o mercado de capitais brasileiro está sendo desenhado com essa iniciativa, que se soma à outras importantes iniciativas de inovação (como o PIX e o Open Banking) que irão mudar a cara do cenário financeiro do país.

O período atual é de tempestade e as águas são turbulentas, mas fica claro que, em breve, estaremos em terra firme, e fértil, para inovação financeira no Brasil.


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