Regulamentação e infraestrutura: novos desafios e oportunidades no mercado fintech brasileiro

Apesar de ano complicado, um grande movimento de atualizações regulatórias e de infraestrutura planejadas para 2020 está seguindo seu curso

* Artigo do autor Bruno Diniz, originalmente publicado no portal noomis neste link.

Considerando apenas o primeiro semestre de 2019, já podemos dizer que este é um dos anos mais memoráveis ​​para as fintechs no Brasil. Presenciamos desde o lançamento do maior fundo de capital de risco já criado com foco na América Latina (anunciado pelo gigante Softbank) a enormes negócios realizados no setor até o mês de julho, onde empresas como Creditas, Nubank, Banco Inter, dentre outras, foram alvo do grande apetite por novos negócios financeiros na região. Certamente nunca houve melhor época para o setor nos últimos anos! 

No entanto, precisamos compreender que estamos apenas no início de um grande momento de transformação para o setor financeiro no Brasil, que será impulsionado não só por esses movimentos de investimento, mas também por outras iniciativas interessantes que estão atualmente em discussão relativas à infraestrutura e regulamentação.

Especificamente, esses dois tópicos podem ser divididos em três assuntos que considero os mais transformadores: a nova infraestrutura de pagamentos instantâneos, a criação de um sandbox regulatório local e a regulamentação do open banking no país.

Existem diferentes momentos e datas de implementação esperadas para cada um desses assuntos, os quais serão pormenorizados a seguir.

SANDBOX REGULATÓRIO

Depois de criada e implementada com sucesso pela FCA (agência reguladora do Reino Unido), a abordagem do sandbox regulatório tornou-se uma referência sobre como possibilitar a inovação no setor financeiro para muitos reguladores em todo o mundo.

Basicamente, permite que novas startups testem seus produtos, serviços, e modelos de negócios inovadores no mercado real, com um número restrito de consumidores reais, em caráter experimental. Durante um determinado período (fase de testes), o regulador observa e monitora o desenvolvimento da fintech e seu impacto potencial no mercado.

No final do período, essa fintech pode ser autorizada ou não a atuar no mercado de forma plena, e novos precedentes regulatórios são criados com base nessa experiência.

Exemplos de iniciativas de sandbox regulatório por região. Fontes: European Supervisory Authorities (2019), Jenik and Lauer (2017), Mueller et al. (2018), DFS Observatory (2018), UNSGSA FinTech Working Group e CCAF (2019). Gráfico produzido pela UNSGSA

Assim como em muitos países do mundo, o Brasil está prestes a implementar um sandbox regulatório. 

Recentemente, foi realizado um anúncio conjunto pela CVM, o Bacen e a Susep declarando a intenção de desenvolver uma iniciativa de sandbox. Apesar da intenção de todos os três reguladores fazerem parte de tal iniciativa, não está claro se eles farão isso ao mesmo tempo ou em diferentes prazos. Espera-se que o sandbox esteja operacional entre o final do ano e meados de 2020.

Um relatório interessante sobre o assunto foi lançado em junho pelo Ministério da Economia, o que mostra o comprometimento das autoridades em relação ao tema e seus esforços em fornecer informações à sociedade.

Um modelo de negócio relacionado à tokenização de ativos, por exemplo, poderia comprovar sua viabilidadedentro do sandbox, abrindo grandes possibilidades para o mercado financeiro brasileiro.

“O Sandbox pode ser responsável por uma nova era de empresas de tecnologia financeira no país, com modelos de negócios interessantes e disruptivos”

Bruno Diniz

REGULAMENTAÇÃO DO OPEN BANKING

O open banking é outro tema quente em diferentes partes do mundo que está em discussão no Brasil. O conceito básico afirma que os dados financeiros sobre um cliente mantido por uma instituição financeira pertencem ao cliente, que pode permitir o acesso a esses dados por outras instituições financeiras ou fintechs em troca de melhores ofertas de empréstimos, investimentos, dentre outros benefícios.

Os dados do cliente são trocados entre instituições usando APIs (application programming interfaces, ou interface de programação de aplicativos) abertas, que permitem a integração de forma rápida, segura e automatizada. O conceito de APIs aberta é muito utilizado no mundo da tecnologia, onde bigtechs (como Google e Facebook) e outras startups se integram com muita frequência, alavancando benefícios para o cliente final. Agora, o mundo bancário passa também a adotar esse conceito.

Originalmente criada no Reino Unido em um esforço para aumentar a concorrência no setor financeiro, a regulamentação do open banking se espalhou pela União Europeia onde tomou corpo com a criação da normativa PSD2, que obriga os bancos sob este território a deixar suas APIs abertas, facilitando a troca de dados com outros participantes do mercado. Entre os países da América Latina, o México tem um plano para implementar o sistema bancário aberto como parte de sua iniciativa de regulação chamada “Lei de Fintech”, que regulamenta diversas atividades voltadas à inovação financeira no país. 

Com o objetivo de aumentar a concorrência no setor financeiro local, o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, afirmou em evento realizado pelo regulador que esta é uma iniciativa que ajudaria a ajustar as forças competitivas em nosso sistema bancário.

“O open banking é inevitável e deve ser considerado pelas instituições uma oportunidade e não uma ameaça… Jurisdições como União Europeia (incluindo o caso particular do Reino Unido), Hong Kong e Austrália, só para citar alguns exemplos, identificaram a necessidade de intervenção regulatória para tratar do assunto, de forma a assegurar o desenvolvimento do mercado e o alcance de seus objetivos, como promover a inovação e a eficiência, aumentar a competição e proteger o consumidor.”

Roberto Campos Neto, Presidente do Banco Central do Brasil

A regulação do open banking estabeleceria definições gerais sobre esse assunto e trataria de aspectos relacionados ao seu funcionamento.

A Tesobe, uma empresa com sede em Berlim e especializada em open banking, divulgou um relatório sobre diferentes abordagens regulatórias em todo o mundo. O gráfico abaixo exemplifica as formas mais comuns de regulá-lo:

Formas mais comuns para regular o open banking. Fonte: Tesobe

Espera-se que o Brasil leve uma abordagem regulatória “top-down”, mas permitirá que o mercado defina os aspectos tecnológicos (padronização). Isso nos deixaria na parte inferior direita do gráfico, uma abordagem semelhante ao PSD2 da União Europeia.

Uma consulta pública será realizada neste semestre com a intenção de envolver os participantes do mercado na definição de seus parâmetros. Além disso, espera-se que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) entre em vigor em meados de 2020 e, naturalmente, tenha muitos pontos de contato com o novo regulamento de open banking.

“Esse movimento tem o potencial de trazer alternativas de serviços financeiros mais baratos e personalizados para os clientes. Também pode transformar a maneira como a interação e colaboração entre bancos e startups acontecerá no futuro. As fintechs certamente se beneficiarão disso, mas no final, os clientes sairão ganhando. “

Bruno Diniz

PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS

A infraestrutura brasileira de pagamentos é uma das mais avançadas do mundo, permitindo a troca de recursos em tempo real desde 2002 (chamada TED), à frente de muitos países.

Mercados mais avançados em pagamentos instantâneos. Fonte: FXCIntelligence

Apesar de ser um dos mais rápidos e modernos do mundo, funciona apenas durante a semana, em geral das 7h às 17h para o grande público, e envolve o preenchimento de números específicos de conta e instituição financeira, bem como dados de identificação do beneficiário, para efetuar a transferência. A nova proposta (que está em discussão em uma comissão especial do Banco Central) possibilitaria pagamentos rápidos 24 horas por dia, sete dias por semana, de uma forma tão fácil quanto selecionar um contato na agenda do seu telefone ou ler um código QR pelo celular.

Essa nova infraestrutura ajudaria a trazer inovação e competição entre os diferentes arranjos de pagamento no país, reduzindo também o custo para o beneficiário dos pagamentos, já que o número de intermediários na cadeia seria menor.

Como exemplo dado pelo Banco Central em seu site oficial, o comerciante só precisará ter um código de identificação exclusivo para permitir que seus clientes leiam esse código por meio de seus smartphones. Este código conterá todas as informações necessárias para que os recursos sejam transferidos instantaneamente. Com a disponibilidade imediata das receitas de vendas, o gerenciamento do fluxo de caixa dos comerciantes pode ser otimizado, reduzindo sua necessidade de crédito. Tudo isso sem a necessidade de uma maquininha POS.

Essa única mudança iria renovar completamente o cenário de pagamentos no Brasil, já que muitos players baseiam seu modelo de negócios no adiantamento de recebíveis e dependem de terminais de POS para as transações.

A Índia já implementou uma infraestrutura de pagamentos rápidos interoperável, chamada UPI (unified payments interface), e o México também tem um projeto em andamento chamado CoDi (Cobro Digital System). Na Índia, a UPI atraiu bigtechs do Oriente e do Ocidente para o ecossistema de pagamentos instantâneos, como o Google, Amazon, WhatsApp (Facebook), WeChat (Tencent) e Xiaomi. 

Ter bigtechs e fintechs entre os participantes desse ecossistema também levaria a concorrência para outro nível. 

No site do Banco Central há um bom exemplo de como pode ficar esse cenário:

“Um modelo baseado em transações entre contas transacionais é propício para o aparecimento de fintechs que desenvolvam soluções inovadoras para facilitar as transações de pagamento, tanto para pagadores quanto para recebedores. As fintechs poderão se constituir tanto como instituições de pagamento, que ofertariam contas de pagamento para seus clientes, quanto como prestadores de serviço de iniciação de pagamento. Além disso, as fintechs poderão oferecer serviços agregados ao serviço básico de pagamento, como oferta de seguros, crédito, investimentos, conciliação, pagamentos de tributos etc. O serviço de pagamento funcionaria como uma porta de entrada para a oferta desses outros serviços.”

O presidente do Banco Central disse que os pagamentos instantâneos serão lançados em 2020, antecipando sua data de lançamento anterior, que era 2021. Não há dúvida de que outra onda de transformação virá com essa mudança.

Somando as mudanças regulatórias e de infraestrutura às perspectivas econômicas positivas no Brasil, em um momento onde temos também as menores taxas de juros do país (6% ao ano), e o apetite dos fundos de capital de risco na região, eu diria que o melhor ainda está por vir para as fintechs. 

Será, sem sobra de dúvidas, um momento de inovação acelerada e Será, sem sobra de dúvidas, um momento de inovação acelerada e transformação para consumidores e instituições financeiras em nosso país, e, pelo que tudo indica, acontecerá mais rápido do que se podia imaginar.


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