Modalidades como o venture debt e linhas de crédito específicas começam a despontar como alternativas interessantes para startups no Brasil
* Artigo do autor Bruno Diniz, originalmente publicado no portal noomis neste link.
O ambiente de startups no Brasil está crescendo a passos largos nos últimos anos. Segundo dados da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), atingimos o número de 12.727 empresas desse tipo no começo de 2020, representando um aumento de 207% entre 2015 e 2019.
Contudo, essa evolução não foi apenas na quantidade de novas companhias, até mesmo porque isso poderia ser considerado uma consequência de um processo mais profundo de amadurecimento do ecossistema local, que envolve: melhor qualificação dos empreendedores; surgimento de diversas iniciativas de fomento de startups (tanto programas corporativos operacionalizados por aceleradoras quanto governamentais e de entidades sem fins lucrativos); maior interesse e presença de fundos de Venture Capital (especializados em investimentos no setor), dentre outros.
Especialmente em relação ao financiamento das operações e do crescimento das startups, muita coisa mudou ao longo do tempo. Enquanto há cerca de 10 anos o Brasil tinha uma percepção maior de risco por parte dos investidores, altas taxas de juros e uma quantidade relativamente baixa de VCs operando por aqui, havia uma baixa quantidade de capital disponível para as startups, levando à negócios (muitas vezes) desfavoráveis para seus fundadores. Era comum ouvir relatos de empreendedores que acabavam sendo extremamente diluídos, levando à desmotivação para seguir adiante. Com o passar do tempo esse cenário melhorou, temos taxas de juros mais baixas (que levam à busca por operações com maior risco x retorno) e uma maior quantidade de VCs e demais investidores (tais como investidores-anjo, Family Offices, dentre outros) dispostos à aportar recursos em troca de participação nessas inovadoras empresas. Modalidades como o equity crowdfunding também ampliaram as fontes de recursos por parte dos empreendedores e trouxe mais pessoas físicas para o jogo, dispostas a se tornarem “sócias” dessas empresas.
À medida que o ambiente de startups se expande, aumenta também a sofisticação dos mecanismos de financiamento. Um deles (ainda pouco comum no país, mas utilizado em mercados mais maduros) é o chamado “Venture Debt”, que se trata de um instrumento de dívida que provê o capital necessário para o crescimento de uma startup a custos que fazem sentido para ela, além de oferecer maior flexibilidade de pagamento que operações tradicionais de crédito. A própria natureza de alto risco e balanço (na maioria das vezes) deficitário de uma startup afastam esse tipo de empresa dos bancos tradicionais, que preferem companhias da economia tradicional que, comparativamente, possuem um grau de complexidade menor e maior previsibilidade. Os fundos e demais instituições especializadas em Venture Debt montam operações estruturadas que envolvem termos customizados de pagamento e direitos de compra de ações da empresa ou propriedade intelectual (como patentes, por exemplo) como garantias da operação. Como vantagem clara para os sócios está o fato de que eles não são diluídos no processo, diferente do que acontece em casos onde a startup recebe um aporte financeiro em troca de equity (participação acionária na empresa).
O modelo de Venture Debt surgiu nos Estados Unidos por volta da década de 80 no Vale do Silício, acompanhando o crescimento de iniciativas de tecnologia e dos fundos de capital de risco da região. Uma das primeiras instituições a começar a oferecer essa modalidade foi o Silicon Valley Bank, que percebeu que as startups tinham características específicas e dificilmente conseguiam acesso à linhas de crédito em outros bancos. O modelo deu certo e o Silicon Valley Bank possui nos dias de hoje não só as startups como os seus investidores (VCs) como clientes, que muitas vezes montam estruturas de dívida em complemento às rodadas de equity de novas investidas e de empresas em seu portifólio.
Aqui no Brasil a modalidade dá os seus primeiros passos, sendo que o primeiro veículo focado em operações desse tipo foi lançado oficialmente em 2019 com o nome de “Brasil Venture Debt”, sendo criado pelo fundo SP Ventures após ganhar edital do BNDES que visava fomentar startups no país. O fundo Galápagos de Carlos Fonseca (ex-sócio do BTG e do C6 Bank) estaria abrindo frentes voltadas ao Venture Debt. Há notícias também de que o Banco BTG Pactual criou uma área focada nesse tipo de operação, bem como o C6 Bank.
Além dos casos citados anteriormente há também modelos como o desenvolvido pela fintech a55, que disponibiliza linhas de financiamento para empreendedores da nova economia com receita recorrente e/ou previsível. Segundo André Wetter (sócio da empresa) e Marc Verissimo (norte-americano que é conselheiro da fintech e foi ex-diretor do Silicon Valley Bank), a a55 trabalha com um ticket de operação que varia entre R$500 mil e R$5 milhões para empresas em crescimento, sendo que as operações têm prazos de até 24 meses (tipicamente menores que a de uma operação de Venture Debt tradicional, que costuma ser de 3 anos) e o desembolso sai em menos de 30 dias. A fintech se inspirou no modelo da Lighter Capital, empresa de Seattle, EUA, no qual (em troca de capital) as empresas assinam um acordo para pagar uma porcentagem da receita, geralmente em torno de 6% ao mês, até que um múltiplo predefinido do principal seja pago. Esse modelo é conhecido como “revenue-based financing” (ou financiamento baseado em receita, em português).
O financiamento de negócios inovadores tem ganhado impulso não só no Brasil, mas na América Latina como um todo. Em 2019 o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) abriu um edital para buscar um gestor para tocar o fundo LAC Venture Debt Fund, que tem o BID Lab (braço de inovação do Banco) como investidor âncora. O objetivo desse fundo é atuar junto à startups na região da América Latina e Caribe para que essas consigam ter acesso a novos produtos de financiamento e possam crescer com a estrutura de capital adequada e realizar seu potencial de impacto. Com tudo isso podemos dizer que uma nova era de maturidade está chegando para o ecossistema Latino Americano de startups, abrindo caminhos para uma ampliação das iniciativas de inovação e fazendo com que diminua a nossa distância em relação à outras economias mais desenvolvidas em relação a funding.