Bancos & fintechs – O futuro da cooperação no mercado financeiro brasileiro

Iniciativas de corporate venturing crescem e amadurecem no país, desde interações pontuais até níveis mais profundos de relacionamento e investimento

* Artigo do autor Bruno Diniz, originalmente publicado no portal noomis neste link.

Nos últimos 5 anos presenciamos um crescimento acelerado de fintechs no país, atingindo a marca de 504 empresas no setor, segundo levantamento do portal Finnovation. Com esse movimento, vemos um mercado financeiro cada vez mais povoado com diferentes atores e uma explosão de alternativas para os mais diferentes públicos.

Nesse sentido, várias oportunidades de parceria e relações de complementariedade emergem, tendo de um lado os grandes bancos e, do outro, as novas startups financeiras. Esse movimento de cooperação entre grandes empresas e o ecossistema de inovação, também conhecido como corporate venturing, já acontece em diferentes setores da economia e passou a ganhar força com interessantes iniciativas aqui no Brasil.

As ações de corporate venturing possuem diferentes níveis, indo desde interações mais rápidas e pontuais (como as maratonas de programação, conhecidas como hackathons) até níveis mais profundos de relacionamento e investimento (como a constituição de fundos para aporte em startups). Discutiremos a seguir algumas dessas estratégias e como elas estão sendo desenvolvidas no país.

Explorando as ações mais iniciais, vemos os hackathons como instrumento bastante utilizado pelas corporações na colaboração aberta com talentosos programadores e empreendedores, visando a rápida resolução de desafios do mercado financeiro e fomento de novos negócios no setor. Instituições como FEBRABAN, Santander, Mastercard, Itaú, dentre outros, já desenvolvem iniciativas nesse sentido, abrindo uma interessante vitrine para soluções inovadoras.

Indo para um próximo estágio, temos os laboratórios de inovação, nos quais as corporações realizam experimentos de novas tecnologias e utilizam esses espaços físicos como ambiente de testes junto a fornecedores. Empresas como Visa, Banco do Brasil e Bradesco dispõem desse tipo de estrutura, que acelera o desenvolvimento tecnológico e tem se tornado cada vez mais comum por aqui.

Em um nível maior de interação e investimento, encontramos os programas de aceleração e os hubs de inovação. Os primeiros já são bastante conhecidos mundo afora, e baseiam-se na chamada pública de startups para um programa de mentorias e capacitação, que pode durar cerca de 3 meses ou mais, no qual há uma intensa interação de membros da corporação junto às empresas selecionadas, onde um dos principais objetivos acaba sendo a geração de negócios entre esses dois entes. Pode haver, ou não, a participação acionária da corporação na startup participante do programa. Instituições como Bradesco, Porto Seguro, BNDES, Visa e C6 já adotam essa estratégia.

O hub de inovação é um tipo de estratégia que costuma despender um investimento considerável das corporações, pois acaba envolvendo a criação de um espaço de interação que, na maioria das vezes, abriga startups como uma espécie de coworking. Esses hubs acabam se tornando um centro de gravidade para o ecossistema de inovação, agregando pessoas e empresas em eventos e diferentes ações que ocorrem por ali.

O Itaú foi pioneiro nessa abordagem aqui no Brasil, criando o Cubo, hub que ocupa um prédio na região da Vila Olímpia, em São Paulo. O Bradesco também desenvolveu sua própria iniciativa, chamada InovaBRA Habitat, situado próximo à avenida Paulista. Vemos surgir hubs de inovação inclusive no âmbito dos bancos de desenvolvimento, como é o caso do Hubble, criado pelo BDMG, em Belo Horizonte. Após a criação desses espaços, as organizações citadas estão, cada vez mais, realizando negócios com startups e oxigenando suas formas de trabalho dentro de ambientes que transpiram inovação.

Em países como nos Estados Unidos as iniciativas de corporate venturing no setor financeiro estão em um estágio mais maduro, principalmente quando analisamos os investimentos realizados em fintechs por grandes bancos através dos seus corporate venture capital funds, sendo que o Goldman Sachs e o Citigroup são os mais ativos por lá.

Segundo dados da Consultoria CB Insights, apenas em 2018 os bancos dos Estados Unidos foram responsáveis por 45 diferentes investimentos em fintechs. A tendência também se mostra forte globalmente, onde a participação de corporações e fundos de Corporate Venture Capital (também conhecidos como CVC) tem crescido bastante em relação a outras alternativas fontes de capital (como fundos de Venture Capital e investimento anjo) e já representam um terço dos investimentos ocorridos no setor.

Fonte: CB Insights

No Brasil, essa atividade não é tão intensa, contudo, algumas instituições também têm constituído veículos próprios (ou participado em iniciativas de terceiros) para aportar recursos em startups de diferentes setores, não apenas fintechs. Dentre os casos conhecidos, vemos empresas como Bradesco, B3, Santander, Banco Votorantim, Banco do Brasil seguridade e Banco BMG seguindo esse caminho. Ainda estamos longe da média global, mas temos um bom indicativo de que esse movimento veio para ficar.

Uma outro tendência, que segue um caminho diferente da colaboração, é a criação de fintechs pelos bancos, utilizando sua própria musculatura para alavancar estratégias próprias nessa frente. Muitas vezes esses projetos são constituídos fora da “empresa mãe”, dando maior autonomia aos seus dirigentes e afastando de potenciais “vícios corporativos” inerentes a grandes estruturas organizacionais, que podem prejudicar a velocidade e desenvolvimento dessas iniciativas. É um movimento que também é observado globalmente, e tem como caso de sucesso a fintech Marcus, plataforma digital de empréstimos pessoais criada pelo banco de investimentos Goldman Sachs. Por outro lado, nem tudo são flores. O JPMorgan Chase acabou fechando seu banco digital, chamado Finn, em junho de 2019, um ano após seu lançamento. Por fim, o banco anunciou que, após avaliações internas, entendeu que o Chase (seu próprio braço de varejo) estava mais bem posicionado para executar sua estratégia digital, não sendo mais necessária a existência do Finn.

Por aqui, alguns exemplos já despontam como o next (banco digital do Bradesco), Iti (carteira digital do Itaú), Superdigital e Pi (conta digital e plataforma de investimentos do Santander), Ciclic (plataforma de seguros e previdência do Banco do Brasil), Youse (seguradora digital da Caixa), dentre outros. Em tese, são estratégias acertadas que apontam novas formas de desenvolvimento de projetos inovadores pelas grandes companhias. Porém, só o tempo dirá quais dessas iniciativas serão os próximos “Marcus” ou “Finn” do mercado nacional.

Analisando todas essas diferentes formas de participação dos grandes bancos e empresas do mercado financeiro no ecossistema de inovação, e tendo em mente que algumas delas podem não obter o sucesso esperado no longo prazo, podemos ter certeza que, na velocidade em que o mercado caminha, o maior risco é não correr esse risco e permanecer inerte em relação a todas essas aceleradas transformações da indústria financeira. Afinal, como já é sabido no ambiente de startups, tentar e, eventualmente, falhar faz parte do processo de evolução.


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