Além das fintechs: techfins, bigtechs, varejistas e operadoras de Telecom

Novos players adentram a arena digital do mercado financeiro

É bastante provável que teremos um ambiente ainda mais competitivo, com alternativas que se espalham pelos mais diferentes segmentos

* Artigo do autor Bruno Diniz, originalmente publicado no portal noomis neste link.

Desde o início do movimento fintech atual (que, segundo diversos especialistas, começou no em 1998 com a fundação do Paypal), presenciamos um intenso crescimento no número de startups que têm criado formas inovadoras de distribuir produtos e serviços financeiros no ambiente digital com foco no usuário. Esse movimento foi se desenvolvendo cada vez mais à medida que novas tecnologias baixaram os custos para rodar um negócio de forma enxuta no segmento e, também, à medida que as barreiras de entrada regulatórias se tornaram menores para adequar esses novos modelos de negócio e ampliar a competitividade no setor. Tudo isso acabou por provocar uma grande abertura no mercado e atraiu diferentes entrantes para o jogo, além, é claro, das fintechs. Passamos então a ver techfins, bigtechs, varejistas e operadoras de telecomunicações dando as caras com suas próprias iniciativas, todas almejando seu pedaço em um novo (e altamente competitivo) mercado financeiro.

O termo techfin foi dito pela primeira vez quando Jack Ma (fundador do grupo Alibaba) se referiu à Ant Financial (iniciativa financeira do Alibaba que operacionaliza o sistema de pagamentos Alipay) em um evento no final de 2016. Segundo ele, as techfins são empresas de tecnologia que encontraram uma maneira melhor de fornecer produtos financeiros como parte de uma oferta mais ampla de serviços, após um entendimento profundo dos dados e comportamentos dos seus consumidores. Nascidas como plataformas puramente digitais e sem qualquer ligação anterior com o mundo financeiro tradicional (a maioria começou sem pretensões de atuar nesse segmento), essas plataformas têm também uma infraestrutura totalmente nova e sabem conectar muito bem ofertas financeiras e não financeiras, criando interações e experiências totalmente novas e não exploradas no mercado tradicional. Como exemplo de empresa nesse segmento na América Latina temos o Mercado Livre, que nasceu como um marketplace e foi adicionando serviços financeiros com o tempo, servindo tanto compradores quando vendedores dentro do seu ecossistema. Especificamente no brasil, companhias que desenvolvem sistemas de ERP voltados para o segmento pessoa jurídica, como a Linx e a Totvs, também têm desenvolvido iniciativas com essas características, agregando serviços financeiros ao seu portfólio de soluções.

Ainda falando sobre empresas de tecnologia que passaram a explorar soluções financeiras, vemos as gigantes globais de tecnologia utilizando de sua presença e grande base de usuários como um diferencial nesse novo cenário. Bigtechs ocidentais como Google, Amazon, Facebook e Apple (grupo conhecido como GAFA) possuem vasto conhecimento sobre seus clientes e fazem parte do dia-a-dia de todos nós. Cada uma delas, ao seu modo, tem desenvolvido projetos que vão desde a criação de criptomoedas próprias a soluções de pagamento e contas digitais em parceria com grandes bancos. Por serem criaturas novas nesse ambiente e possuírem enorme potencial de impactar o mercado financeiro, as bigtechs têm sido alvo de preocupações frequentes de reguladores mundo afora, que buscam formas de melhor integrá-las a esse segmento e regular suas atividades.  

A combinação de barreiras regulatórias mais baixas e novas tecnologias trouxeram também algumas grandes varejistas para essa arena. Apesar de algumas já terem atuação no mundo financeiro de forma analógica (seja através de uma financeira própria ou em parceria com alguma instituição), essas empresas têm agora alavancado suas iniciativas nesse terreno através de uma abordagem digital. Um caso emblemático é a Via Varejo (dona das marcas Casas Bahia e Ponto Frio) que lançou no mercado o Banqi, seu “banco digital”. Aproveitando-se do fato de ser um dos maiores vendedores de smartphones do país, ter um bom diálogo e a confiança da base da pirâmide e possuir mais de 1000 lojas pelo país, a Via Varejo tem uma oportunidade única de fortalecer sua abordagem O2O (online to offline) e ampliar ainda mais sua atuação financeira, começando pela digitalização do seu famoso crediário (que agora está embarcado no Banqi). Outras empresas com grande base de usuários como a Cosan, Riachuelo e O Boticário também estão desenvolvendo estratégias similares.

As operadoras de telecomunicações, por sua vez, têm trabalhado nesse nicho com sucesso em algumas partes do mundo. O melhor exemplo que temos é o da solução M-Pesa, que foi desenvolvida pela operadora Safaricom do Kênia, e criou uma forma de transferir dinheiro através de modelos mais básicos de telefone celular (tendo alguns pontos físicos autorizados como forma de realizar a entrada e saída de dinheiro em espécie). No Brasil tivemos o caso da Zuum, fruto de uma parceria entre Vivo e Mastercard, que se tratava basicamente de uma conta pré-paga que poderia ser movimentada tanto via cartão quanto pelo celular, produto que acabou sendo descontinuado no final de 2018. Em novembro de 2019 presenciamos a investida de outra operadora, desta vez a Claro, através da oferta de crédito pessoal para clientes pré-aprovados dos planos pós-pago e controle. Movimentos como esse mostram que há uma grande oportunidade a ser aproveitada por esses players do setor de telecomunicações que, além de terem muita informação sobre seus clientes, são provedores da infraestrutura que permite o acesso do celular desses clientes à internet.

Movimentos regulatórios e de infraestrutura previstos para 2020 (tais como as regras para open banking e os pagamentos instantâneos) deverão juntar-se às iniciativas atuais e acelerar a entrada de novos competidores, mudando a cara do mercado financeiro atual. É bastante provável que teremos um ambiente ainda mais competitivo, com alternativas que se espalham pelos mais diferentes segmentos (desde a base da pirâmide até nichos específicos), trazendo mais alternativas para os consumidores à custos menores. Uma verdadeira transformação está em curso, formando um novo cenário. E não só as fintechs e os bancos farão parte dele.


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